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domingo, 3 de janeiro de 2010
ARIQUEMES: NINGUÉM É DE FERRO No sétimo dia Deus descansou. Se até Deus tirou um dia da semana para o Seu descanso, quanto mais eu, pobre mortal, de carne e osso. Saímos de Ariquemes no dia 31 de dezembro na parte da tarde. Destino ao hotel de floresta Pakaas Palafatitas em GM, também apelidada de a Pérola do Mamoré. Seguimos fielmente o roteiro depois da cidade. Na primeira “bola” dobramos a esquerda. O asfalto acabou. Estrada de chão batido, chuva recente, poças de água. A travessia de ponte de madeira sobre o Rio Salomão. Barulho de tábuas soltas. Uma porteira, travessia de pastagens, bois em fase de engorda, dois mata-burros, depois uma placa indicativa. O céu bem mais azul, a floresta, por fim o hotel. A noite havia chegado. Alice ficou calada. A digníssima esposa. Trancou a cara. Resmungou. Subiu a rampa de madeira. Ziguezague. O hotel é suspenso. Como um mirante. Dois vãos de escadarias. Dentro da floresta. Vista bonita para o encontro das águas, foz dos Rios Madeira e Pakaas. As águas tem cores diferentes. Era noite não se via detalhe. Ela subiu agarrada ao corrimão. Deu duas paradas. Um escorregão. Preenchi a ficha, ela se sentou. Rômulo tirou as malas. Entregou-as ao Paulo, boliviano abrasileirado, solteirão e atarracado, que nem saudade tem da terra natal, porque a Bolívia fica a oitocentos metros, do outro lado do rio. Rômulo pegou o caminho de volta. Paulo seguiu empurrando tudo numa carriola, sobre trilhas suspensas, feito andaimes em madeira, entre e sobre as copas das árvores. Eu me senti com um complexo de Tarzan. Ainda me agarrei a um cipó. Ela insegura nos passos, em silêncio, talvez medo das alturas, ali, naquele ponto, quem sabe fosse uma boa catadora de sementes de árvores seculares. A trilha seguia fazendo cruzamentos, como nas estradas de ferro, levando às cabanas esparramadas, propositadamente isoladas umas das outras, como se tivessem perdidas no matagal. Alice entrou em sintonia fina com o mistério da floresta e cada vez mais se emudeceu. A trilha era longa parecia não ter fim. A cabana coberta de palha, paredes de paxiúba, em palafitas com mourões robustos de itaúba, como casas de seringueiros, com extravagante altura de cerca de cinco metros. Pode ser mais. Por baixo os bichos circulam livremente. Entramos na cabana. Ela de imediato ligou o celular, para dar notícia da chegada, o aviso surpreendente “sem conexão”. Procurou TV pra ver a novela, não havia. O quarto imenso, uma cama de casal que cabe quatro pessoas folgadamente. Talvez projetada para casais acima de duzentos quilos. Outra de solteiro. As paredes por dentro forradas de madeira, banheiro, lavabo, uma porta ao fundo que dava saída para uma sacada em madeira bruta e uma visão extraordinariamente silvestre de copas, troncos, palmeiras e tabocal. Neste momento inusitado, de imediato, me remeteu a condição primitiva do homem, a sua origem, vinda do macaco. Eu me senti um deles. Por pouco eu não saltei no galho próximo e de galho em galho, farfalhando folhas e talos eu me sumiria no infinito daquela trama quase impenetrável. A cama universal, também por mente iluminada pensada, quem sabe, para atender os fogosos casais em lua-de-mel. Com espaço suficiente para os jogos de gato e o rato e muita energia suficiente para percorrer toda a sua superfície. Ou quem sabe no mundo atual livre e aberto para dois ou três casais jogarem bola neste tapete verde tendo o céu como testemunha e a fragrância de todos os aromas da imensa floresta tropical. Continuando a conversa, a coisa para mim não estava boa. Alice resolveu falar. E agora peremptória com voz militar – quero ir embora. Agooooora! Ligue para o Rômulo voltar. Ainda bem que não havia telefone. Eu sabia que era questão de tempo. O ambiente era propicio para curar qualquer agonia. Não havia espaço para nervosismo. Quero porque quero. Cadê minha novela? A queima de fogos em Copacabana. A cascata luminosa nos hotéis do Rio de Janeiro? Sou mulher viajada, conheço o mundo. A Espanha, Portugal, Orlando, Miami, Nova Iorque, Washington, Montevidéu, Buenos Aires e você me trazer para o meio do mato? Você é louco? Eu com meu recentemente complexo de macaco fiquei espiando tudo aquilo sem entender a lógica da civilização contemporânea. Ela ficou ainda mais nervosa foi pro banheiro e vomitou o coquetel de boas-vindas gentilmente oferecido pelo hotel. Eu fiquei preocupado. A mulher parecia “possuída”, eu rezei, lá fora, disfarçadamente um “creio-em-deus-padre todo poderoso”, parece um milagre, daí a pouco ela foi se acalmando. Bateu a fome, nem bolacha de água e sal, subimos ao restaurante, vinte horas, nada. Só abriria pra ceia a meia noite. Pedi macaxeira frita só para agüentar a hora marcada. Ficamos por ali, pestanejando sono, esperando a festa do réveillon, a beira de dois rios e no meio da floresta tropical. Bem melhor do que Copacabana. Mesa bonita. Hora certa. Comemos de novo. Não deu para esperar fogos e nem o baile. Na descida da rampa, encravou o salto alto, Luiz XV numa greta do tablado, quebrou, ela esbravejou. Quis tirá-lo do pé, falei agüente, fica feio, madame não pode perder a elegância. Ela num reflexo pavloviano – “madame da pqp”. Falei “Deus seja louvado’. O ano novo se descortinava naquele momento. Dia seguinte, apreensivo, pulga atrás da orelha fiquei aguardando o desfecho de toda aquela situação. Saí bem cedo, sozinho, rondei o ambiente geral. Tirei fotos da mata, coqueiros, açaizeiros, mata de igapó, encontro das águas. Ouvi sobre as trilhas suspensas os admiráveis sons da floresta - cantos das aves, mais agudos, sinetes, matraqueados, trinados, suaves, graves, românticos, sinfônicos, irritantes cigarras, grilos, mosquitos, gemidos de troncos se esfregando. Fiz Cooper numa estrada de chão. Voltei à cabana às 13 h. Alice ainda dormia, graças a Deus. Demos uma saída, foi encontrando gente, do Acre, Rio Grande do Sul, Porto Velho, Ji-Paraná e Itália. Ela se abraçou com uma colega de profissão. Sorriu. Uma boa prosa com Paulo Saldanha, empreendedor e dono do hotel. Um papo de alegria, piadas com Simão Sessim. Brincou com crianças. Curtiu a família do Batista, homem competente e de confiança do Bianco. Tinha me esquecido dos “pontos” da cirurgia que fiz há 15 dias. Intradérmicos, contínuos, com fio de mononylon, resistente, capaz de puxar um surubim do Rio Madeira. Ela disse – está na hora de tirar. Pode tirar. Pegou uma tesoura de unha, pedi para desinfetar, ela disse que não precisava, porque me ama muito. Cortou o laço de cima e puxou a ponta de baixo. Doeu. Ela nem deu bolas. O fio estava meio engastalhado. Pensei – ela quer virar minhas tripas ao avesso. Fiz cara de macho. Ela deu sopapo, por fim me mostrou o seu feito com imenso sorriso. É assim meu jovem rapaz, que está aí às mil maravilhas, assediado para casar, só beijinhos e doce de leite. Não profetizo suas penas, nem suas dores. Mas, na hora certa, depois das alianças nos dedos, ela só está esperando, para por um par de esporas, piola na mão, bridão encaixado e aí gritar bem alto – SEGURA PEÃO! E pau vai quebra
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