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domingo, 26 de agosto de 2012

O HOMEM QUE OLHOU PARA CIMA

Personagens:
HOMEM
PESSOA 1
PESSOA 2
.......

(um homem anda, atravessa o palco em diversos momentos, há um mistério nele. Em determinado instante do espetáculo esse homem olha para cima. E se fixa nisso. As pessoas, em torno, olham também e param curiosas. Vão conversar com ele)

PESSOA 1
O que o senhor tá vendo?

HOMEM
Psst!


PESSOA 2(para PESSOA 1) Ele tá vendo alguma coisa? O quê?

HOMEMPsst!

PESSOA 1(para PESSOA 2) É o que eu vou tentar descobrir. (para HOMEM) Meu senhor.

HOMEMPsst.

PESSOA 1Meu senhor! O que o senhor está vendo?

HOMEMMe deixa.

PESSOA 2Não tá vendo que este homem não quer ser interrompido?

PESSOA 1
Mas interrompido em quê? E pra onde ele tá olhando? Você tá vendo alguma coisa?

PESSOA 2Eu não.

HOMEM
(para as duas pessoas) Psst! Fica quieto.

PESSOA 1
(para o HOMEM) Fica quieto por quê? O que o senhor tá vendo?

HOMEM(sem tirar os olhos de para onde está olhando) Será possível que um homem não possa olhar, simplesmente?

PESSOA 1
Poder, pode, mas o quê, meu senhor?

PESSOA 2(para PESSOA 1) Não tá vendo que ele não quer dizer? Vamos embora!

PESSOA 1
(para PESSOA 2)
 Embora pra onde? Calma! Ele não disse mas vai dizer!


HOMEMMe deixa em paz!

PESSOA 2

Não tá vendo? Ele tá relutante!

HOMEM
Eu não estou relutante. Só estou vendo.

PESSOA 2(enfezado) Tá! Tá vendo, mas tá vendo o quê, meu senhor?

HOMEM
O que vocês simplesmente não são capazes.

(PESSOA 1 e PESSOA 2 olham para cima, procuram, curiosos)


HOMEM
Há uma beleza lá em cima que vocês não são capazes de ver porque estão mergulhados em seus umbigos.

PESSOA 1
Eu não estou mergulhado em...

PESSOA 2

(para PESSOA 1) Psst!

PESSOA 1
(para PESSOA 2) Ei!

PESSOA 2
(para PESSOA 1) Deixa ele falar!

HOMEM
O que vocês simplesmente não conseguem enxergar porque estão cegos, surdos e desprovidos de qualquer sensibilidade. É tudo o que eu estou vendo. Com olhos de criança. Como se fosse a primeira vez.

PESSOA 1
Mas o quê, meu senhor?

PESSOA 2
(agarrando o braço de PESSOA 1) Psst!

PESSOA 1
(para PESSOA 2) Você tá vendo alguma coisa lá em cima? Tá vendo alguma coisa?

PESSOA 2Eu não, mas quem sabe ele nos dê alguma pista! Tenha calma!

PESSOA 1Eu nem te conheço! Por que vou ter calma? Por que vou ter calma com ele, também? Ele não quer dizer, que se dane! Pra que vou ficar olhando pra cima? Pra ver um pombo cagar na minha cara? Entrar merda de pombo nos meus olhos? Vê se eu lá tenho tempo pra perder com isso? Ele não quer dizer? Ótimo! Eu também não quero mais saber.

PESSOA 2
(para PESSOA 1) Mas foi você que começou com isso.

HOMEMFoi.

PESSOA 1
(para o HOMEM) Olha aqui, meu senhor, eu tenho mais o que fazer, viu? Isso aqui é uma metrópole e metrópoles não podem parar um instante sequer! Tempo é dinheiro! Já ouviu falar disso?

HOMEM
(sorri) “Tempo é dinheiro”. Eu tinha certeza de que mais hora, menos hora, essa frase ia sair da boca de alguém.

PESSOA 1
Saiu da minha!

HOMEMNada mais previsível.

PESSOA 1
E daí? (furioso) Por que o senhor não olha pra gente enquanto fala? O que tem de tão anormal, de tão bizarro lá em cima que o senhor não tira os olhos?

HOMEM
Você é extremamente previsível.

PESSOA 1
(para PESSOA 2) Eu vou pegar esse cara!

PESSOA 2(para PESSOA 1) Calma! Talvez esse senhor esteja louco ou algo parecido. Isso acontece muito nas metrópoles. Pessoas param no Viaduto e ficam olhando para cima. Vá ver é uma forma de chamar a atenção. Eles fazem isso para que as outras pessoas olhem também. E daí esse senhor vai depois, para casa, de ônibus, feliz e satisfeito de ter feito pessoas olharem para cima.

HOMEM
Eu vou a pé.

PESSOA 1
O quê?

HOMEMEu vou a pé para casa.

PESSOA 1
Alguém te perguntou alguma coisa, meu senhor?

HOMEMEu vou a pé. Para olhar.

PESSOA 1
(para PESSOA 2) Este senhor está me tirando do sério!


PESSOA 2
(para PESSOA 1) Tenha calma!

PESSOA 1
Como vou ter calma? Não tenho meu tempo a perder! Muito menos com um sujeito como este senhor aqui, que olha sabe-se lá para onde! Esta cidade não pode parar.

HOMEMPor isso ela não vive.

PESSOA 1
(para PESSOA 2) Agora foi demais! Eu vou pegar esse cara! Vou chutar ele!

PESSOA 2
(agarra PESSOA 1 como pode) Deixa disso!

HOMEM
Por isso a cidade não respira.

PESSOA 1
Ele está abusando! Me deixa! Eu vou encher ele de porrada!

PESSOA 2Calma! Ele tá falando!

HOMEMAs pessoas não olham. Nem para elas mesmas.

PESSOA 1
Eu pego ele! Me larga! Eu vou matar esse cara!

HOMEM
(calmamente olha para os dois)
 Vocês dois querem mesmo saber o que eu estou olhando?


PESSOA 2 e PESSOA 1
(juntos)
PESSOA 1 - NÃO!
PESSOA 2 – SIM!

HOMEM
(volta calmamente a olhar para cima) O homem moderno é exatamente como vocês. Essa miríade de indecisões.

PESSOA 1Ele me xingou! Eu vou esmurrar ele!

PESSOA 2
Ele não falou de você!

PESSOA 1Ele me chamou de mirí...do que que é mesmo?

HOMEM
Por isso a civilização está morrendo!

PESSOA 1Eu mato! Eu esfolo! (para PESSOA 2) Me larga! Quem você pensa que é? Eu te conheço?

HOMEMO homem não se vê mais.

PESSOA 2
(para PESSOA 1) Você sempre pega o mesmo ônibus e o mesmo metrô que eu. Faz o mesmo trajeto de segunda a sexta-feira, exatamente às quinze para as nove. Religiosamente.

HOMEME não olha para cima.

PESSOA 2
Não.

PESSOA 1
Eu vou matar vocês dois.

HOMEMNada mais previsível.

PESSOA 1Eu vou pular no pescoço!

HOMEMDocemente previsível.

PESSOA 1Eu mato!

PESSOA 2Tenha calma. Este senhor estava prestes a nos dizer o que ele está olhando.

PESSOA 1
Não me interessa mais!

HOMEMO interesse morreu.

PESSOA 1Eu arrebento a cara dele!

HOMEM(para os dois, enfático e em voz alta) EU ESTAVA... (PESSOA 1 e PESSOA 2 páram a confusão, olham para o HOMEM)...SIMPLESMENTE...OLHANDO...A CIDADE. (torna a olhar para cima calmamente, tom) Os prédios antigos. Da época do café. As construções que misturam o rococó com o art nouveau, as fachadas de lojas que tapam essas construções magníficas e os fazem desaparecer enquanto, na realidade, estes mesmos prédios estão aí há décadas. Viram passar milhões de pessoas por este mesmo pedaço de chão que estamos pisando. (olha para PESSOA 1 e PESSOA 2) E no entanto, ninguém mais presta a atenção neles. Ninguém. Estão todos cegos. E nesta cegueira, a cidade se perde porque as pessoas se perdem na imensidão de seus bolsos. O bolso - a fronteira final. O fim e o começo de tudo. O começo da vida. A razão das coisas. (ao mesmo tempo em que HOMEM fala, PESSOA 1 e PESSOA 2 vão lentamente olhando para cima) O porquê de tudo acontecer nessa vida. É para onde a civilização caminha. Para o bolso. Milhões de pessoas dentro de um bolso. Enfiadas. Costuradas umas às outras. Atadas pela insensibilidade. Todos juntos na mesma nave-bolso em direção a um mesmo universo-moeda. Nada mais interessa além disso. As pessoas não se vêem e não se tocam. Elas simplesmente desconfiam. Trust no one. Essa é a frase do mundo atual. Trust no one. E se você confiar cegamente no outro, será o próximo pobre coitado. O próximo idiota. Será o próximo mendigo a ser tostado em álcool em praça pública enquanto dorme. E todos passarão na manhã seguinte por aquele pedaço de carne assada em plena madrugada e não vão ver ali outra coisa senão um monte de comida de cachorro. Por isso eu olho para cima. Para pedir a benção. Esses prédios olham por nós todos há décadas. (vai saindo, olhando para cima) Eles são os únicos que dizem assim...”Estamos aqui...Estamos aqui...Estamos aqui...”(sai) “Estamos aqui...”

Tempo.

PESSOA 1(deixa de olhar para cima e olha para PESSOA 2) Você me vê de segunda a sexta-feira no ônibus?

PESSOA 2
Vejo.

PESSOA 1
E no metrô também?

PESSOA 2Exato.

PESSOA 1Sempre às quinze para as nove?

PESSOA 2
Precisamente.

PESSOA 1
E eu não vejo nada?

PESSOA 2
(olha calmamente para PESSOA 1) Não. (começa a sair)

PESSOA 1
(segue atrás)
 Olha, o que aquele homem estava dizendo é uma insânia! Ele é louco, só isso! Ele vê coisas!


PESSOA 2Você está cego.

PESSOA 1
Não! Eu não estou cego! Aquele homem é que vê demais! Isso aqui é uma metrópole! E metrópoles não podem parar!

PESSOA 2
(saindo) Sei. Tempo é dinheiro.

PESSOA 1
Exato! É tudo o que importa, não é?

PESSOA 2
Não.

PESSOA 1Como não? Claro que é. É para isso que estamos aqui! Somos uma civilização!

(saem completamente)


FIM

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